Escrevo esse artigo em uma sala de aula romena que é ocupada diariamente por crianças ciganas. O ambiente é silencioso, agradável, decorado com as cores do outono, com livros e jogos misturados na estante e alguns casacos esquecidos nos lembrando que o inverno está próximo. Quando as crianças chegam o ambiente é preenchido por histórias repletas de aventuras com bicicletas, floresta, cogumelos, cavalos, porcos e urtiga. O encantado mundo de crianças cheias de energia que vivem em uma vila no interior da Romênia.
Infelizmente atrás desse mundo mágico nos deparamos com tristes histórias de abandono, negligência e descaso. Um círculo que se repete há anos: Engravidam com 13 anos e quando completam 20/25, ou até menos, deixam as crianças e vão trabalhar ou mendigar na Europa rica (Alemanha, Dinamarca, Suécia, Suíça, Holanda). As crianças são criadas por avós, irmãos “mais velhos” ou, como eles dizem, “essas crianças se criam sozinhas”. Uma dura e triste realidade.
No meio desse contexto familiar tão desafiador, tenho tido o privilégio de ver a Graça de Deus sendo derramada aqui. A missão Somebody Cares Romania, em que sou voluntária, existe há 22 anos e tem servido a esse povo através da Evangelização, Educação e Sociabilização. São três vilas atendidas: a primeira (Troislav) foi onde tudo começou, tem um After School (o nosso famoso reforço escolar), uma marcenaria, uma padaria e a igreja. A segunda, onde eu trabalho, se chama Pauleasca. Aqui também temos um After School, ajudamos nas tarefas de casa, ensinamos outras atividades e, assim como na primeira, estudamos a Bíblia semanalmente com eles. A terceira (Tufano) é a mais desafiadora, onde uma vez por semana fazemos um culto infantil, mas após quase 15 anos ainda não temos cristãos.
As três vilas são consideradas ciganas, mesmo com alguns romenos vivendo lá. Apesar da maioria de nós imaginarmos os ciganos como aqueles que usam roupas coloridas, dançam, leem mãos e bola de cristal, nas vilas em que sirvo eles não possuem essas características acentuadas. São pessoas comuns, com trabalhos comuns e que lidam com o preconceito diariamente como algo comum. Sim, eles sofrem preconceito. Provavelmente, além de ter na sua mente algumas características culturais, você também carrega um adjetivo nada bom para os ciganos. Infelizmente “a fama ruim” se espalhou mundialmente e muitas pessoas os evitam ou os tratam mal.
Na Romênia, que é considerado o país com a maior população de ciganos na Europa, vemos esse preconceito de uma forma latente. Ouvi de um senhor que, na época do comunismo, eles falavam para as crianças romenas que se elas não se comportassem elas seriam dadas aos ciganos, o que significava mais uma geração ensinada a ter receio e a se esquivar deles. Em algumas escolas ainda temos a sala dos romenos e a sala dos ciganos. Os jovens relataram inúmeras histórias de como os professores os trataram de forma diferenciada, e muitos apanharam. Quando eles entram em uma loja eles são seguidos e observados por um guarda. Em um passeio de encerramento do semestre, a equipe de colaboradores da missão, que é composta em 50% por ciganos cristãos, foi jantar em um restaurante e foi acusada de roubo, mesmo sem terem feito nada. O interessante é que eles relatam essas histórias como algo normal, e eu ainda não sei se é uma cosmovisão verdadeira para eles ou um mecanismo de defesa para não sofrerem. Mas a grande questão é que os ciganos precisam de Cristo, eles precisam ver através de Cristo quem eles são, eles precisam crer em Cristo e é com esse objetivo que eu estou aqui.
Após um ano na Romênia, tenho visto que, atrás de tantas características desafiadoras, os ciganos são um povo generoso, amável e formado individualmente de um modo especial e admirável, como relata o salmista Davi no Salmo 139. E tem sido maravilhoso contar para eles sobre o Deus que os criou e os amou de tal maneira que deu o Seu único Filho para que todo aquele que Nele crê tenha a vida eterna.
Convido você a orar sobre isso e a conhecer mais sobre os ciganos!
Ana Lídia de Melo e Moura – Missionária da MCE na Romênia